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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

:: Tentação, Vigilância e Oração ::

"Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca". Mt. 26.41

A tentação é um daqueles temas que aterroriza a muitos cristãos. Quando ela vem e percebemos que se trata de uma verdadeira “tentação” buscamos sempre um sólido fundamento para combater teológica, bíblica e espiritualmente tudo aquilo que tem o poder de nos “tentar”. Mas, como um cão que hora ou outra corre atrás do próprio rabo, quando pensamos que vencemos as tentações, eis que surgem outras tantas e tudo começa novamente.
Jacques Ellul, renomado teólogo, sociólogo e filósofo francês, em seu livro Se és o Filho de Deus, publicado pela editora Palavra, traz uma importante reflexão sobre o papel e o propósito da tentação na vida do cristão, partindo de um simples questionamento sobre como Jesus resistiu as tentações deste mundo carnal. Após ser impactado com esta leitura refleti sobre um texto bíblico onde Jesus alerta sobre os perigos das tentações para seus discípulos e cheguei a algumas direções:

a.        É preciso dizer primeiramente e muito nitidamente que Deus não tenta ninguém (Tg 1.13). Deus jamais sentiria prazer em colocar seus filhos à prova para ver se sua fé e seu amor subsistem. Não, Deus não é sádico e não compactua com essa pseudoteologia de que Ele nos tenta ou “prova” para ver se merecemos suas bênçãos. Essa ideia meritória da salvação que vê no sofrimento e nas tentações a mão de Deus lapidando seu povo enquanto dificulta sua caminhada aqui na terra não condiz com as Sagradas Escrituras.

b.       Percebemos que nas tentações há muito mais do humano do que do espiritual (entendo que Satanás se aproveita dessa situação para potencializar o teor das tentações!). Tiago escreve claramente: “Cada um, porém, é tentado pelo seu próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido.” Tg 1.14. Observa-se em uma leitura mais atenciosa desse texto que a chave para o êxito de toda tentação é a cobiça que está em cada ser humano. Essa cobiça engloba todas as vertentes do pecado e remete ao pecado que se originou primeiramente em Lúcifer. Cobiçamos a vida, o status, o poder e o lugar do outro. Tudo vem dessa cobiça desde o Éden. Eva cobiçou o fruto da árvore, cobiçou a autoridade do Criador e cobiçou o lugar do Soberano – “Vocês serão como deuses capazes de dizer o que é bom e o que é mau..” disse a serpente. A tentação esteve diretamente ligado com a cobiça de ser igual a Deus.

c.        Uma vez que a cobiça é algo interior do ser humano, a tentação é algo exterior que potencializa a satisfação dessa cobiça, gerando assim o pecado e com o pecado, a morte. É preciso que haja uma circunstância exterior que desperte a cobiça. O homem sedento por dinheiro não roubaria se não tivesse encontrado uma possibilidade real de subtrair do outro. Cobiça é algo de dentro, tentação é algo circunstancial que explora o que tem dentro. Nas palavras de Ellul “... a tentação é a conjunção entre essa cobiça e essa circunstância.” (p. 20).
Voltando ao texto bíblico que possibilitou essa reflexão Jesus disse: "Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca".
Jesus usou uma fórmula maravilhosa que nos ensina a fugir e também a vencer as tentações que nos rodeiam e que às vezes são tão sutis que nem percebemos quando ela nos dominam e nos fazem cair. Ele, que também foi tentado em todas as coisas, mas não pecou. (Hb 4.15) sabe do perigo da cobiça nos corações dos homens decaídos e o poder das tentações em fazer essa cobiça vir a tona e usa, propositalmente em uma ocasião extremamente propícia, dois verbos que na sua língua original tem conotações bem específicas. São eles:

Vigiar -  esse   verbo usado por Jesus geralmente era usado no contexto militar e conota para um soldado alerta ao menor sinal inimigo. Era o verbo usado para dar comando ao sentinela da torre em tempo de guerra para que ele não tirasse os olhos dos limites do acampamento para que assim que percebesse qualquer movimentação estranha alertasse o exército em prontidão. Quando observarmos algo que pode ser potencialmente tentador, devemos identifica-lo com antecedência para não sermos surpreendidos e prontamente seguir para o próximo passo: a oração. a tentação nem sempre vem de maneira definida, às vezes ela se camufla nos arbustos ou por trás das árvores e somente olhos vigilantes e atentos são capazes de reconhece-la.
Lutero uma vez disse: "Você não pode evitar que um pássaro voe pela sua cabeça, mas pode evitar que ele faça um ninho!"

Orar -  indica nossa insuficiência para conseguir por nossas forças vencer a tentação e é o socorro para que o Pai nos dê estratégias para não cair em tentação. É nesse sentido que a oração nos fortalece, pois literalmente clamamos ao Pai e ele nos ouve e responde nos dando forças para resistir,  lutar e fugir. Nunca venceremos uma tentação sem pedirmos que o Espírito Santo nos livre e que o Pai nos ajude, somente em Deus somos capazes de não sermos derrotados.
Uma vez que a tentação estimula a cobiça, a oração tem um papel de domador de nossas cobiças ao confessarmos nossa miséria humana e clamarmos pelo auxílio do alto.
Esses conselhos de Jesus são preciosos para a igreja em tempos tão difíceis e são o caminho seguro para uma vida de dependência e de livramentos em nome do Senhor. Se vigiarmos e orarmos certamente teremos um auxílio divino para não cairmos em tentação e nos livrando do mal.

Pr. Madson Oliveira

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

:: Os dons do Espírito na Igreja ::

O grande desafio é buscarmos viver essa diversidade de dons mediante a realidade corporativa da igreja


"Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra" Atos 1:8 

O Novo Testamento nos apresenta a realidade de que a Igreja de Cristo tem a seu favor a atuação do Espírito Santo de Deus para nos consolar, orientar, ensinar e nos capacitar para exercermos neste mundo a missão para a qual Cristo nos vocacionou. Como bem disse o teólogo Karl Barth "a igreja tem como centralidade da sua fé a pessoa de Jesus, mas como fator impulsionador a presença e atuação do Espírito Santo."
Nesse aspecto, o qual percebemos que somos uma igreja do Espírito e no Espírito nos dedicamos a conhecer e viver os diferentes carismas, ou dons, que o Espírito Santo derrama sobre sua igreja. Há uma diversidade de dons, tais como os dons naturais e sobrenaturais, dons temporários e dons permanentes, dons de palavra e dons de ação (Rm. 12; 1Co. 12; Ef 4. 11-12) entretanto, além dessa compreensão, o importante é reconhecer que não há ministério nem missão sem um reconhecimento explícito e uma aplicação integral da maior variedade desses dons no meio da igreja. Os carismas constituem a vida e a missão da Igreja.

Paulo na sua carta a Corinto deseja que aquela igreja tenha essa variedade para uma finalidade específica: "de maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no dia do nosso Senhor." 1Co 1.7-8.

Esses dons são a capacidade dada por Deus mediante seu Espírito aos seus santos para realizar o ministério e edificar o corpo de Cristo em seu serviço ao mundo. Já que somos "uma igreja para o outro", nada mais significativo do que buscarmos exercer no palco da Graça divina, o mundo, o maior número possível de dons que possibilitem a oferta do perdão de Deus ao pecador.

"A igreja viverá a realidade escatológica de sua essência como corpo de Cristo na medida em que todos os dons sejam reconhecidos e exercido na comunidade de forma plural e universal". Afirmou Moltmann.

O grande desafio é buscarmos viver essa diversidade de dons mediante a realidade corporativa da igreja. Quanto mais pessoas tiverem a maior variedade de dons mais conseguiremos exercer nossa missão com eficiência e reproduziremos ao mundo a ideia de um corpo saudável de Cristo que cresce por igual, uniforme e em todas as vertentes.  O Filho de Deus continua atuante no mundo pela ação do Espírito, precisamente por intermédio de sua igreja realizando sua missão dependente da capacitação de Deus e da vida comunitária.

Que Deus nos abençoe!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

::O Filho pródigo e eu...::

A separação do primeiro pecado, a ação do Espírito Santo e a graça divina são manifestas nessa parábola.


No contexto do evangelho de Lucas no capítulo 15, Jesus se vê rodeado de um público misto de pessoas. De um lado aqueles que eram o público-alvo de seu ministério e o motivo de suas orações, os pecadores e publicanos e do outro, um grupo de religiosos preocupados com os ritos e os dogmas e que o condenavam por participar de uma "roda"junto com os pecadores.

Como forma de ensinar-lhes algumas realidades sobre o amor de Deus aos perdidos e sobre sua missão nessa terra, Jesus conta algumas parábolas e dentre elas uma em particular que mostra a história de dois filhos aparentemente muito distintos e em especial ele se prende à experiência do filho que decide viver sua vida a seu modo e a postura do pai que nunca o deixou de amar.

O início do texto mostra a dura decisão daquele filho de pedir sua "parte dos bens"a seus pai. Um aspecto  interessante nessa história é que no contexto judaico a pedida dos bens dos filhos para com os pais só se dava em duas ocasiões: ou de uma divisão familiar por motivos de brigas e contendas ou quando da morte dos pais.  Quando Jesus começa sua história criando tal situação ele está querendo demonstrar que esse filho ou estava "matando seu pai"em seu coração ou estava de fato declarando um rompimento familiar com seu progenitor.

Depois de ter decidido pegar tudo o que era seu por direito e viver intensamente a seu modo, o texto conta que aquele jovem se vê entregue a uma condição sub-humana de vida e percebe o peso que sua decisão de abandonar o conforto e a proteção da casa do pai o causaram.

Em um momento ele estava confortavelmente vivendo sobre a tutela de seu pai, comendo boa comida e tendo todos os benefícios de um filho de pai rico mas cansou de viver aquela vida e talvez influenciado por diversos fatores e desejos íntimos de seu coração considerou que estar junto com seu pai já não era algo que valia a pena e em outro momento comendo e vivendo junto com os porcos em um chiqueiro.

Meses de prazer gastando a herança que lhe era devida "dissolutamente" e após uma grande crise que sobreveio ao lugar onde ele vivia o que restava era a lama, a fome e o frio. Ele decide então, em uma atitude de humilhação e arrependimento voltar para a casa de seu pai. (Lc 15.13-14)

Lendo o texto, percebemos que o pai mesmo aceitando realizar a vontade do filho nunca descartou a idéia de um arrependimento e um retorno do seu filho amado pois, quando o filho aparecera lá longe, no alto da colina os olhos do pai o observaram e ele foi a seu encontro. Prontamente o pai manda preparar-lhe um banquete e o perdoa sem mágoas ou desconfianças. Imagino esse pai sentado em sua cadeira de balanço todos os dias com os olhos fitos no horizonte, desgastado pela dureza dos dias de tristeza e pranto, imaginando o momento de ver a imagem de seu filho amado despontar na estrada!

Um fato que só nos é revelado entendendo o contexto em que Jesus conta essa parábola é que para o pai que ficara havia um sentimento de vergonha e tristeza. Tristeza porque um de seus filhos decidiu "romper" com ele e optou por viver longe daqueles que o amavam e vergonha porque, para a sociedade local esse ato significava que aquele pai não soube criar seu filho ao molde da pureza religiosa da Lei, portanto não era visto pelos outros como um bom pai. Para o filho que partira, ficaram o peso da lei que condenava sua decisão.  Quando lemos ".. vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou e o beijou. Lc 15.20" devemos ver a atitude de proteção e de amor do pai. Evitando qualquer tipo de juízo condenatório sobre seu filho por parte dos "doutores da Lei" aquele senhor rompe até mesmo com a postura que se esperava de um ancião e "corre" para seu filho. Direcionando a ele um carinho que estava repleto de proteção, amor e perdão. Em outras palavras, o pai está declarando à sociedade: - Não julguem ou façam nenhum mal a meu filho, pois eu o perdoei!

Na calorosa recepção há um resgate de dignidade, sentido e valor para o filho que estava perdido e a festa de celebração demonstra a alegria de um pai que tem perto de si novamente o filho amado.

Surge nesse momento, na parábola, um novo personagem. O filho mais velho daquela família que percebendo a grande festa tem uma atitude inesperada, abrupta, mas repleta de ensinamentos.

O texto diz que ao aproximar-se da casa, vindo de um dia de trabalho no campo, ele ouviu a música e a dança e perguntou o que significava tudo aquilo. Ao saber do que se tratava ele se indigna a ponto de não querer entrar sendo então necessário que o pai venha intervir na situação. (Lc 15. 25-28)

Nas palavras desse filho percebemos que ele não estava com o pai pelo fato de amá-lo ou no desejo de servi-lo mas sim pensando de forma meritória, trabalhista e e impessoal. Ele desejava do pai o "justo pagamento" pela sua fidelidade, e seus serviços não se importando com os sentimentos, apenas querendo que seu pai cumprisse o que era dele "de direito" assim como fizera para o irmão mais novo. Para esse o pai não passava de um empregador e um patrão.

Sua repudia o faz desconsiderar a alegria de ter seu irmão de volta e ele demonstra isso exclamando: "vindo, porém, esse teu filho... tu mandaste matar para ele um novilho cevado. Lc 15.30" É importante ver que ele faz uma divisão na família quando diz que o filho era apenas do pai, mas não seu irmão! Jesus mostrava para seus ouvintes como os fariseus viam os pecadores que estavam se aproximando do Pai por intermédio de sua pregação. Para eles, os ímpios não mereciam mais o amor de Deus, uma vez que decidiram caminhar longe da Lei e eles sim é quem deveriam ser honrados, pois viviam policiando suas ações e sua religião pelo alto preço da religiosidade. Para os fariseus, os publicanos e pecadores não eram filhos de Deus e não eram dignos de festa ou de celebração por motivo de seu retorno ao glorioso Pai. O texto então termina com a explicação do pai sobre o motivo daquela festividade e da alegria em seu semblante pois o que estava morto reviveu e perdido, agora achado.

Essa parábola mostra como fomos recebidos pelo nosso Pai no momento em que olhamos para nós e vimos que em Adão o ser humano decidiu viver longe dos domínios do Pai, vivendo sobre nossa própriaégide e "gastando" nossa vida de forma dissoluta. No pecado original decidimos romper com Deus nos afastando para terras distantes onde vivemos sobre nossas próprias regras. Na vida do homem natural sem Cristo mesmo cheio dos recursos desse mundo o que resta será sempre a lama, o frio e a sujeira do pecado mas Deus, ansioso por se encontrar com seus filhos vai ao nosso encontro em um ato de amor, perdão e resgate de nossa identidade mostrando que Ele não mediu esforços e agiu primeiro indo a nosso encontro. Quando caminhamos de retorno aos braços do Pai, ele mesmo garante para que ninguém ou nada nos condene, levantando-se e indo ao nosso encontro nos livrando de qualquer acusação e derramando sobre nós seu perdão e graça.

A separação do primeiro pecado, a ação do Espírito Santo e a graça divina são manifestas nessa parábola nos apontando para o amor de Deus e para a ceia do Senhor. Ele se encontra com seus filhos feridos, famintos, maltratados e moribundos e dá a eles dignidade, amor, honra e proteção.

"porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único Filho para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha vida eterna. Jo. 3.16".

terça-feira, 4 de junho de 2013

::Emaús - da decepção à esperança::

Nos momentos de desesperança um lampejo de glória sempre surge para abrir os olhos entristecidos


Em Lucas, capítulo 24 a partir do versículo 13, o evangelista nos narra o episódio onde alguns discípulos caminham para a pequena cidade de Emaús e tem um encontro inusitado com o Cristo ressuscitado,  transformando a tristeza de seus corações em alegria ao ver o seu grande mestre agora vivo e cumprindo suas palavras.

Após o calvário, percebemos pelo enunciado dos evangelistas como fora tamanha a decepção de centenas de discípulos e curiosos que caminhavam com Jesus. Imagino que eles ao verem seu mestre exposto à vergonha da cruz, sendo torturado, escarnecido e teoricamente "derrotado" muitos caíram em profunda decepção, pois à vista da compreensão humana, Jesus fora derrotado pelos fariseus e pelo império romano. Ver ali exposto à maior humilhação que um judeu poderia enfrentar, aquele que prometera reconstruir o templo derrubado em três dias, foi um choque de realidade que com certeza causou muitas feridas nos corações outrora fervorosos.

Os dias após a crucificação foram dias tristes, pesados, cinzentos, onde a fé cristã estava abalada. O evento tomou conta de toda a cidade e todos comentavam a injustiça realizada contra Jesus (Lc 24.18) e seus seguidores, que agora se dispersavam da cidade com medo de que acontecesse com eles o mesmo que acontecera com seu mestre. Para muitos o sonho da redenção de Israel, do novo Reino de Deus havia acabado com a morte de seu Messias e fugir se tornava a única opção.

Mas a caminho de Emaús há um lampejo de esperança e um iluminar da graça do Senhor para animar o coração decepcionado e entristecido daqueles que acreditam em seu nome e um lampejo de glória surge para acender novamente a chama da esperança messiânica.

Jesus miraculosamente aparece na estrada de caminho a Emaús e procura ouvir do coração daqueles discípulos, o som da fé em seu nome.  Por isso Jesus não se revelou de início, ele queria ver se seus ensinamentos se arraigaram naqueles corações e então mostra a eles que tudo o que aconteceu fora da perfeita e maravilhosa vontade de Deus para que se cumprisse as escrituras. (Lc 24.25-26).

Há uma exposição por parte de Jesus do papel do Messias Sofredor que carregaria sobre si o pecado de toda a humanidade. Na percepção teológica de Jesus, seus discípulos deveriam compreender que o ministério messiânico passava pela via do Calvário, da dor e da morte, mas também da ressurreição.

Ao entardecer, já próximos de seus destinos, os discípulos convidaram aquele andarilho desconhecido para repousar com eles. A estrada de Emaús era uma estrada comercial que durante a noite se tornava perigosa com possíveis assaltos e presença de saqueadores e Jesus aceitou o convite para descansar com eles.

Lucas conta que após aquele homem orar agradecendo a Deus pelo alimento e parti-lo com os dois (uma prática judaica comum naquela época), seus olhos foram "abertos" e viram que seu mestre estava ali com eles, vivo, ressuscitado e cheio de graça e misericórdia. Mas por que só após esse partir do pão que eles "perceberam" Jesus?

Simples. Alguém que já sentou à mesa com Jesus e sentiu-se acolhido pela graça salvadora do Filho de Deus não esquece o poder da manifestação de tamanho amor em sua vida.

A perícope termina com o seguinte trecho: "Não estavam ardendo os nossos corações dentro de nós, enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras? " Lc 24.32

Uma centelha de esperança se acende na fé daqueles dois, pois eles viram com seus próprios olhos que nem mesmo a morte pôde deter o poder e a autoridade de seu Cristo e eles ficaram maravilhados por saber que agora Jesus não estava mais naquele túmulo emprestado, mas sim, vivo e cheio de autoridade celestial, de uma glória digna do unigênito Filho de Deus.

Automaticamente eles fazem todo o caminho de volta, 11km, para contar a todos as boas-novas, mesmo sem se importar com o cansaço ou os perigos da estrada pois agora a esperança da glória lhes dava coragem, ânimo e fé.
Que Deus nos abençoe!

Texto publicado na íntegra na coluna Igreja do Portal Conectar

quarta-feira, 3 de abril de 2013

:: Sinais de uma Igreja Viva ::


"Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria, e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seus corações."  Cl 3.16



A carta de Paulo a Colossenses sem dúvidas é um daqueles textos onde nós percebemos as emoções do autor falarem nitidamente em nosso coração. Nesta carta vemos um Paulo empolgado, feliz e cheio de boas expectativas pela recém inaugurada igreja que começara naquela região. Através de Epafras, o povo de Colossos teve acesso ao evangelho e compreenderam a mensagem da graça que os libertou do domínio das trevas para o Reino do Filho amado de Deus. (1.6-7 e 13).
Junto com essa expectativa e felicidade vieram também, partindo do apóstolo, sentimentos de alguém cuja responsabilidade pela propagação da Palavra foram dadas pelo próprio Jesus, e o apóstolo se preocupa em orientar a jovem igreja em um caminho sobremodo elevado para que eles vivam uma vida de abundância espiritual no seu cotidiano tornando-se assim uma igreja viva e saudável em sua região.


A carta é repleta de conselhos e ênfases. Em Cl 3.16 Paulo destaca alguns pilares que mostram práticas que realmente levam a igreja do Senhor a uma esfera maravilhosa de graça e presença de Deus se praticadas cotidianamente e que podem tornar os ministérios locais em ambientes agradáveis e motivadores para seus membros assim como o verdadeiro ambiente para a manifestação do Espírito Santo no exercício de seu fruto e sua missão.

O saudoso pastor anglicano John Stott em seu livro Sinais de uma Igreja viva enfatiza a importância de algumas evidências externas na vida da igreja para que ela possa manifestar e ser abençoada com o senhorio do senhor Jesus. Sinais que foram ensinados pelo próprio Cristo e vividos pela igreja primitiva e que o apóstolo agora transmite aos colossenses. Vejamos a seguir alguns desses sinais no texto de Paulo.


1.       "Habite em vocês a Palavra de Cristo..." - Nossa vida e identidade como igreja devem ser medidas pelo nosso esforço em vivermos dentro e somente dentro daquilo que fora ensinado por Cristo e transmitido por seus apóstolos. É o que chamamos na missiologia de Tradição Apostólica (crer e viver o que Jesus ensinou).

Em tempos onde as teologias, cargos e lideranças tem sofrido tantas deturpações conceituais compreender o que significa habite em vocês a Palavra de Cristo é de extrema importância.

Desde o livro de Atos observamos na igreja primitiva uma preocupação em perseverar na doutrina dos apóstolos mesmo mediante a tantas heresias e pensamentos sedutores que enfeitavam a mensagem da cruz. Perseverar na doutrina dos apóstolos significava entender que tais homens foram comissionados diretamente pelo Senhor para alargar as fronteiras do ministério de Jesus e que passaram pela prova de terem suas vidas e seus ministérios lapidados por Cristo.

Observemos que a igreja de Atos não conhecera Jesus pessoalmente ou ouviram o seu discurso mas, o caráter, a consistência, piedade e temor que os apóstolos transmitiam validava seus pensamentos teológicos e faziam com que a igreja se sentisse amparada e bem assistida.

Nos nossos dias o próprio neo-apostolado tem sido alvo de muitas discussões e muitos desses tais apóstolos tentam se equiparar em poder e em importância aos apóstolos de Cristo mas a verdade é que nem mesmo a Igreja primitiva decidiu levantar outros apóstolos por saber que essa era uma tarefa exclusiva de Jesus. Inácio da Síria, bispo da Igreja no séc III em suas cartas para as igrejas que liderava enquanto era levado para a decapitação em Roma declara: "Nem ouso falar-lhes com a mesma autoridade de Pedro ou Paulo, pois tais homens foram levantados diretamente por Jesus..." Notemos que a igreja fala de tradição apostólica (zelo pelo que eles ensinavam) e não sucessão apostólica (sucessores do papel dos apóstolos de Cristo).

As teologias vigentes em muitos aspectos parecem desenvolver um papel contrário àquele de nos impulsionar para próximo do Senhor e retiram de suas reflexões hermenêuticas a centralidade e o conteúdo cristocêntrico do evangelho. Mistura-se marxismo com evangelho, libertinagem com vida cristã, dinheiro com devoção mas pouco se fala da teologia da Cruz que nos aponta para o Autor e consumador da fé.

Habitar em nós a Palavra de Cristo aponta para vivermos como esses irmãos que primavam por viver o Evangelho como fora desenvolvido nos primórdios, sem modismos e sustentado pela poderosa ação do Espírito.


2. Ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda sabedoria - Nosso ambiente eclesiástico deve ser repleto de confiança, maturidade, respeito e temor a Deus para que juntos possamos construir um ambiente terapêutico onde a Palavra, a fé e a oração sejam mecanismos de tratamento do Senhor para com seu povo.

Em seu livro, Stott afirma que outro sinal vital da Igreja de Jesus é a koinonia. Ele afirma que uma igreja que prova da ação do Espírito Santo é estimulada a viver uma fé que faz alusões à própria trindade comunitária.  É impossível um cristianismo solitário e impessoal e a comunhão é uma das principais razões de ser igreja. "Amai a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo" já diz o mandamento.

É no relacionar que a igreja ganha forma e se solidifica. Uma igreja onde a experiência dos mais idosos é aliada com a vitalidade e disposição dos jovens dando o devido valor e atenção a ambos torna-se esse ambiente de manifestação coletiva da ação de Deus. O salmista até compara a comunhão entre os irmãos como o orvalho que desce sobre o monte. Esse orvalho que vinha do alto da montanha é que se tornava um grande braço de rio que irrigava as plantações e gerava comida para o povo no deserto comparando assim a koinonia como algo que gera vida e mantém seres humanos vivos no meio da igreja.


3. Cantem salmos, hinos e cânticos - Celebrar a vitória, os feitos e a exaltação à pessoa do nosso Deus devem fazer parte da nossa liturgia pois são nas cancões que também externamos nosso afeto pelo nosso Senhor e deixamos fluir de nosso interior aquilo que Ele representa para nós.  A igreja deve viver esse ambiente de adoração e louvor a seu cabeça, Cristo.

Só existe igreja por causa da vitória de Cristo e nossa esperança é que um dia celebremos juntamente com ele seus gloriosos feitos.

As reuniões da igreja primitiva eram repletas de comemoração pela ação da Graça maravilhosa nas vidas dos salvos. Por isso eles comiam, bebiam e tinham refeições ágapes constantemente. Igrejas que não possuem uma alegria contagiante em sua hinologia e na sua práxis dificilmente estará celebrando com esperança o retorno do Rei.

O apóstolo convida os crentes em Colossos a celebrarem com júbilo ao Rei de toda a terra pois seus feitos são inigualáveis e são em nosso favor.


4. Gratidão a Deus em seus corações - Paulo alerta para a gratidão pelo simples fato de sermos contados com aqueles que agora tem direito a uma herança reservada aos santos, nosso sentimento deve ser sempre de gratidão por algo que não merecíamos mas nos foi presenteado através de Jesus. Já dizia um teólogo puritano: '"podemos medir um cristão pelo tamanho de sua gratidão a Deus pela salvação em Cristo."

Gratidão reflete o sentimento de incapacidade de conseguir algo por nós mesmos. Quando levamos esse sentimento para a esfera da salvação nos constrangemos entendendo que nunca saberemos como poderemos retribuir o que Cristo fez pela sua igreja.

Ser grato significa mesmo nos momentos adversos entender que somos alvo da Graça e que essa Graça nos foi presenteada sem méritos pessoais.

As teologias modernas isolam nossa gratidão e a substituem por jargões do tipo: "eu tenho direito! eu determino! eu exijo!" mas a Bíblia nos impulsiona a pensar como o mesmo Paulo em Filipenses quando ouve do Senhor: "A minha graça te basta!"

Uma igreja grata é ambiente do Espírito e viva em obras e poder porque sabe que seu papel aqui é apenas o de servir de canal de graça divina e não meramente depositária.  Por ser grata essa igreja transmite a mensagem do Evangelho e o Senhor como resposta "...acrescenta dia após dia os que são salvos."

Amados, busquemos essa dimensão ministerial para nossas igrejas e desfrutaremos de uma gloriosa manifestação da graça e da misericórdia de Deus em nossas vidas!