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terça-feira, 2 de agosto de 2011

:: A Fila do caixa, o diálogo e o Evangelho ::

Há alguns dias atrás participei de uma situação no mínimo interessante. Ao sair do trabalho fui rapidamente a um shopping aqui da cidade para pagar um boleto em uma loja de roupas. Ao chegar no caixa, depois de esperar uns cinco a dez minutos uma pessoa que passou pela fila me reconheceu e logo veio e me cumprimentou:

“- Ei Pastor, tudo bem? Que bom revê-lo! Fica na paz!”.

Imediatamente todos os olhares se voltaram pra mim. Naquele ambiente de muito silêncio e espera o nosso rápido diálogo despertou a curiosidade de muitos. Durante alguns minutos muitos me olhavam de cima a baixo querendo entender ou até mesmo acreditar o porquê daquela pessoa chamar um cara todo tatuado, usando um clássico chapéu “panamá”, camisa com a estampa do “seu madruga”, bermuda jeans e tênis de skatista de pastor.

Confesso que fiquei até um pouco incomodado com os olhares e com as expressões faciais dos que estavam ali, mas pouco me importei e continuei aguardando a minha vez até que a pessoa que estava há alguns metros de mim perguntou:

- “Você é mesmo pastor evangélico???”

Prontamente respondi afirmativamente e disse o nome da igreja a qual eu pastoreio. A essa altura, imagino que desconstruí muitos conceitos pré-estabelecidos na cabeça daquela jovem e ela falou:

“-Nossa, que diferente, mas na minha igreja você nunca poderia pregar! Meu pastor odeia tatuagem! Ele diz que é a marca da Besta!!”.

Lembro que ainda troquei uma meia dúzia de palavras com aquela jovem até chegar a minha vez de ser atendido. Mas o episódio gerou em mim um motivo de reflexão que gira em torno de três conceitos e que quando equacionados demonstram que tipo de igreja temos sido atualmente.

Os três conceitos são: Igreja, Cultura e Evangelho. Tentarei apresentá-los de forma suscinta e depois equaciona-los para chegar ao que tenho em mente.

1. Igreja: O que tenho definido como igreja (visível ou invisível) é um conjunto de pessoas, redimidas pelo sacrifício de Cristo, que pela graça salvífica do Pai foram chamadas para uma “metanóia”, e juntos, como igreja vivem os princípios normativos, morais e eternos do Reino de Cristo a medida que são agentes transformadores e implantadores do Reino aqui na terra. Em linhas gerais, acredito que a igreja tem como finalidade reunir-se para representar aqui na terra a essência da própria trindade; uma comunidade viva, cooperadora, perfeita e harmoniosa, que se tornará de forma efetiva na parousia de Cristo.

2. Cultura: Em termos gerais a cultura é tudo aquilo que fazemos ou a forma como pensamos e reagimos mesmo inconsientemente. A cultura nos rodeia e é um fruto histórico de nosso povo em determinado lugar geográfico, portanto, a cultura está intrinsecamente ligada a história de um povo em determinada região, na sua comida, na sua arte, nas suas posturas, na sua literatura, nos seus relacionamentos inter-pessoais, etc.

3. Evangelho: É pura e simplesmente a mensagem apresentada pelo Nosso Senhor. As boas-novas da salvação. A mensagem restauradora do relacionamento de Deus com seus escolhidos. Um resgate da ética e da moral do Reino de Deus neste mundo decaído. O Evangelho foi nos dado como uma demonstração divina do amor incondicional de Deus pela sua criação.

De posse destes três conceitos temos uma gama de combinações mas que irão gerar posturas no comportamento da igreja que refletirão na sua práxis na comunidade. Tentarei articular alguns que podem direcionar a caminhada que partiu do meu diálogo com a jovem na fila do caixa.

Igreja + cultura – Evangelho= Secularização da Igreja

Quando uma igreja entende seu papel na terra e tenta de certa maneira ler sua cultura e buscar métodos para que a mensagem salvífica seja entendida a partir da ótica cultural do povo onde está inserida e esses princípios se tornem atrativos para os membros dessa comunidade temos aí uma igreja que realmente entende sua relevância, mas se essa igreja não tem um preparo doutrinário para detectar, combater e transformar os pecados coletivos ou individuais dessa cultura através do evangelho, essa igreja corre o risco de secularizar sua participação existencial. A não detecção e transformação desses pecados e a inserção mesmo que inocente dessas práticas na igreja promovem o risco de uma mudança nos princípios imutáveis bíblicos na vida da igreja e corrompem assim a essência da Noiva de Cristo.

Igreja – Cultura + Evangelho= Fundamentalismo teológico

Quando uma igreja zela tanto pelo teor do discurso e da sã doutrina que é ensinada nos púlpitos e nas escolas dominicais, mas não percebe que a inserção do evangelho parte da premissa dos fatores culturais que podem ser usados na perpectiva kerigmática da igreja, e essa igreja não considera seus fatores culturais e prefere importar aspectos litúrgicos, comportamentais e cúlticos de uma outra cultura dominante, temos aí uma igreja que não terá uma relevância na sua atuação missional na comunidade. O que mais temos vivido em nossos dias são igreja que se acovardam de uma interação com a cultura local, por não conseguirem lidar com os problemas culturais e vivem fechadas em seus guetos seguros dentro das quatro paredes. Igrejas assim tendem a ter uma liturgia impecável, uma homilia perfeita, bem fundamentada e retórica, os crentes até se amam e comungam entre si, mas somente entre si, não há programas de evangelização, não há projetos para mudanças sociais da cidade e nem investimento missionário.

Igreja + Evangelho + Cultura= Ministério Relevante

Quando um grupo de pessoas redimidas pelo sacrifício de Cristo entende seu papel de agente transmissor da Graça recebida pelo nosso Senhor e busca nas boas-novas neo-testamentárias uma forma de divulgar essa verdade, aliada a uma percepção sobre os aspectos culturais que a envolvem no seu cotidiano, temos então uma igreja com um ministério relevante onde quer que esteja. A proposta de Jesus era exatamente essa quando Ele em sua oração em Jo. 17 diz: “... não peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal.”. Um entendimento que tenho tido desse texto e a resposta para um ministério relevante para mim, para a igreja a qual pastoreio e para o corpo de Cristo em geral. Cristo não pediu para que saíssemos do mundo porque não queria que a igreja vivesse isolada e longe de seu foco ministerial, o mundo. Daí o problema do fundamentalismo, que ignora o mundo, ou a cultura a seu redor, desenvolvendo relacionamentos saudáveis somente com os que são da fé. Nas palavras finais, que os livre do mal, vejo a preocupação de Cristo com um envolvimento maior com as Escrituras e um oposto à secularização da igreja. Embora “inseridos” no mundo, o Evangelho deve ser o norteador de nossas ações e reações. Somos desafiados para uma mudança de nossa cultura, mas uma mudança que passa pelo prisma do Evangelho, levando todo ser e cultura a glorificar a Cristo como Senhor.

Você pode estar perguntando: - O que isso tem a ver com o início do texto?

- Tudo, eu respondo. As formas como nós enxergamos a cultura ao nosso redor vai nortear nossa práxis ministerial. O choque cultural que ocorreu na fila do caixa da loja mostra como nós evangélicos, somos divididos e desorientados com aspectos de cultura. Para aquela jovem a experiência de ter encontrado um pastor, com tatuagens, piercings e vestidos com roupas “jovens” foi um rompimento de toda uma construção comportamental histórica em sua formação na igreja. Foi um confronto entre aquilo que ela ouve dominicalmente nos púlpitos e a dinamização de uma cultura e de um evangelho que transpassa as barreiras culturais. Para as pessoas que estavam ao redor foi uma quebra de paradigmas do que ouvimos de nossos pais que as tatuagens e os piercings são coisas de marginalizados e pessoas sem Deus no coração. Pois ouvir e ver um pastor com essas características mostra que não podemos mais dividir por esteriótipos aqueles que são ou não merecedores da graça divina (na verdade nunca tivemos esse poder, só uma falsa sensação dele!). Aquela situação fora enriquecedora pra mim também, pois levou-me a essa reflexão sobre como nossa formação doutrinária precisa dessa tríade bem equilibrada para não desenvolvermos um ministério defeituoso e que não abranga a plenitude proposta por Cristo nesse mundo, não podemos nos fechar para a dinamização natural da cultura ao nosso redor, nem tão pouco podemos nos confundir com a cultura local sem mostrar a Ela as marcas do Evangelho, nos deixando ser levados sem influenciar uma transformação bíblica. Devemos seguir os moldes de Cristo.

2 comentários:

Vanessa Sousa disse...

É interessante perceber o quanto essa dissociação entre igreja e cultura é real. O mundo mudou, as relações mudaram, os meios de comunicação e transporte mudaram. Talvez o modo de evangelizar em algumas igrejas esteja ficando um pouco "arcaico" por um temor dos cristãos frente a essas mudanças, um medo de trazer para dentro da igreja o que é do mundo. Mas esse julgamento é delicado e a necessidade de inovar é urgente. No meu ponto de vista, se a igreja não tenta acompanhar as tendências atuais(claro, sem contrariar o que Deus nos dá por ordenança), se tornará impossível cumprir suas principais missões: disseminar o evangelho e promover a cura e a libertação através do amor de Cristo. Gostei muito da postagem, paz!

Daucyana Castro disse...

Gostei muito da postagem também. Concordo com vc plenamente. Devemos seguir o modelo de Cristo. E ele não fez assepção de pessoas. Ele frequentou todos os lugares e falou e pregou a todo tipo de gente. Precisamos ter bem viva em nossa mente e em nosso coraçao a mensagem do evangelho e afastar definitivamente os estereótipos e modismos.